A Geração Z e a Reputação Empresarial

A geração Z e a reputação empresarial
Os zoomers tão poderosos e seu jeito de ser que afeta reputações

A Geração Z, composta por jovens nascidos aproximadamente entre meados da década de 1990 e meados dos anos 2000, está moldando significativamente o cenário empresarial atual. Essa geração é conhecida por uso ativo da tecnologia e atitude crítica em relação às empresas e marcas.

O relatório “O desafio Z: Comunicação para a geração hiperconectada” da Kantar IBOPE Media, de 2021 já apontava que 98% deles acessam a internet e se mantêm conectados em média 6 horas e 45 minutos diariamente. Os nativos digitais têm preferência por dispositivos móveis e 98% deles usam smartphones para acesso à internet.

As redes sociais também têm papel vital e 60% acompanham marcas nas redes sociais, muito acima da média geral, 36%, e se tornou o principal método para buscar opções de consumo, empregado por 97% do grupo.

Outro estudo, da Consumoteca, com 2 mil jovens de Argentina, Brasil, Colombia e México, atesta sua atitude crítica: metade deles já boicotaram ou deixaram de consumir alguma marca por envolvimento em escândalos e só um a cada quatro se declara fiel a uma marca.

Como consumidores e profissionais, os “zoomers”, como são apelidados, têm novas expectativas, como valorizar a transparência, a responsabilidade social e a autenticidade. Esses valores influenciam não apenas suas decisões de compra, mas também suas escolhas de carreira.

Você pode estar se perguntando… Uma vez que este artigo é assinado por uma profissional da Percepta, dedicada à área de reputação, qual a relação entre a Geração Z e a reputação empresarial?

Nosso objetivo é entender como as empresas podem adaptar suas práticas de recrutamento para atrair talentos da Geração Z, fortalecer sua reputação como empregadores responsáveis e atraentes e até tirar partido de seu comportamento em rede para ampliar a visibilidade da companhia, da marca ou de seus produtos.

A Geração Z e a Reputação Empresarial:

A reputação de uma empresa é fundamental para atrair e reter talentos da Geração Z. Essa geração está profundamente envolvida com questões sociais e ambientais e espera que as empresas demonstrem um compromisso genuíno com a responsabilidade corporativa.

Empresas que adotam práticas sustentáveis, promovem a diversidade e a inclusão e se envolvem em causas sociais, têm maior probabilidade de atrair talentos desse grupo e serem vistas como empregadores de escolha.

Por valorizar a transparência e a autenticidade das empresas, a Geração Z espera que as marcas sejam honestas em suas comunicações e operações. Os “zoomers” são rápidos em expor casos de greenwashing ou falsa representação; empresas que se destacam pela sua transparência e integridade têm maior probabilidade de conquistar sua confiança e lealdade.

5 cuidados no processo de Recrutamento e Seleção da geração Z

Ao recrutar membros da Geração Z, as empresas devem adotar uma abordagem cuidadosa para garantir que a atração dos melhores talentos e fortalecer sua reputação como empregadores de destaque. Aqui estão algumas considerações:

  1. Comunicação Transparente: Desde o início do processo de recrutamento, as empresas devem ser transparentes sobre seus valores, cultura organizacional, expectativas de trabalho e benefícios oferecidos aos funcionários. A transparência é fundamental para construir uma relação de confiança com os candidatos da Geração Z.
  2. Utilização de Tecnologia: Como nativos digitais, os membros da Geração Z esperam que os processos de recrutamento sejam eficientes e digitalizados. As empresas devem utilizar plataformas online para a oferta de vagas, entrevistas por vídeo e outras ferramentas tecnológicas para simplificar o processo e aumentar a acessibilidade para os candidatos.
  3. Flexibilidade e Equilíbrio entre Vida Pessoal e Profissional: A Geração Z valoriza um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal. As empresas devem oferecer horários flexíveis, opções de trabalho remoto e políticas de licença parental atrativas para atrair talentos dessa geração.
  4. Diversidade e Inclusão: Os membros da Geração Z valorizam a diversidade e a inclusão no local de trabalho. As empresas devem demonstrar compromisso genuíno com a promoção da diversidade em suas equipes e garantir que o processo de recrutamento seja justo e inclusivo para todos os candidatos.
  5. Feedback Contínuo: Durante o processo de recrutamento, as empresas devem fornecer feedback aos candidatos, mesmo que não sejam selecionados para a posição. O feedback regular e construtivo demonstra respeito pelo tempo e esforço investidos pelos candidatos e ajuda a fortalecer a reputação da empresa como empregadora responsável.

Vale lembrar que esse público, quando tem orgulho de pertencer, acaba ampliando a visibilidade da empresa espontaneamente. Como nativos digitais, os “zoomers” estão profundamente envolvidos nas mídias sociais e em outras plataformas online. Eles usam esses canais para compartilhar experiências com marcas e empresas, e são influenciados pelas opiniões de seus pares ao formar suas próprias percepções sobre a reputação de uma empresa.

Os talentos querem se identificar com a organização em que trabalham.

relatório da Randstat – Workmonitor 2024

Mas eles também são rápidos para chamar a atenção para comportamentos problemáticos de empresas e indivíduos. Isso pode levar ao cancelamento público de marcas que são consideradas inautênticas, insensíveis ou antiéticas.

Segundo o relatório da Randstat – Workmonitor 2024, “os talentos querem se identificar com a organização em que trabalham. A necessidade de um local de trabalho equitativo e de empregadores que se preocupam com eles e com o que eles valorizam continua forte. Aprender sobre as diferentes motivações e necessidades de diferentes gerações será fundamental para a atração e retenção de talentos” e, consequentemente, reforçar sua reputação empresarial.

A reputação que vem de dentro

Clima Organizacional
Funcionários orgulhosos de suas empresas têm poder de expandir o alcance reputacional das organizações e de suas marcas – quase na mesma proporção de destruí-lo por parte daqueles cujos interesses se restringem ao pagamento e ao fim do expediente

Uma pesquisa realizada recentemente pela Ação Integrada em parceria com a Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) mostrou os principais desafios das áreas de comunicação interna das empresas: fortalecer cultura e orgulho em um ambiente que valorize o colaborador (93%) e criar clareza em torno da estratégia de negócio engajando os colaboradores nesta jornada (79%). A maior dificuldade neste percurso é engajar lideranças como comunicadores (64%).

Fonte: Pesquisa de Tendências em Comunicação Interna – https://acaointegrada.com.br/estudosrealizados/

Claro que, apesar de colocadas na perspectiva da atividade e de processos de comunicação interna, as missões prioritárias da área não se restringem a ela. Cultura e orgulho são construções multifacetadas de amplo alcance. Tornar o modo de fazer as coisas e perpetuá-lo (cultura), e tornar isso uma fonte de orgulho (ou de prazer) é uma responsabilidade muito além da comunicação. Envolve diversos atributos, construídos com cuidado e atenção a detalhes muitas vezes despercebidos.

Uma dica está dada na própria análise da pesquisa – primeiro pensar, ou entender, o que as pessoas querem saber, para depois alimentá-las com essas informações, para então pensar no que a empresa quer falar. Para pensar, ou entender as pessoas, a maneira mais fácil é questioná-las até descobrir, não?

Imagine o que alguém que se candidata a uma vaga pensa quando chega na empresa.

  • Conhece a marca?
  • Sua recepção na entrada é agradável?
  • Aguarda horas por uma entrevista? O mesmo vale para toda sua convivência pós-contratação.
  • O time é feliz? Por quê? Se não é, o que incomoda?
  • A pessoa age por medo ou por recompensa?

Parece simples, mas não é. Nem sempre sequer a própria pessoa consegue expressar detalhes cruciais de seus próprios sentimentos e emoções e o que pode fazer dela um porta-bandeira de sua marca pela vida afora. Um de nossos sócios percebeu, em uma ocasião, o valor do “orgulho de pertencer” quando entrevistou um candidato a emprego. O interessado havia se movimentado do Rio de Janeiro a São Paulo, certamente com interesse, e chegou à entrevista portando uma pasta executiva com um enorme logotipo da Coca-Cola. Ele nem trabalhava mais lá, mas se exibia querendo impressionar a torcida.

Por óbvio, esse orgulho decorrente da passagem do fulano pela centenária gigante norte-americana não foi criado com mecanismos de comunicação interna, mas sedimentado por uma reputação construída interna e externamente à companhia.

O desafio pode ser ainda maior em empresas business-to-business, familiares e de menor porte, ou de setores que via de regra se comunicam menos com seus públicos. Mas não são insuperáveis. Quando a exigência com qualidade se espelha em questões como, digamos, seleção de matérias-primas, respeito ao subordinado, formato de atendimento ao cliente ou pagamentos pontuais, isso passa mensagens tão ou mais fortes do que qualquer comunicado pode alcançar.

Outra pesquisa, realizada pela empresa de tecnologia SoluCX no ano passado, registrou o índice concreto de satisfação e frustração do último emprego de 1,6 mil pessoas. Entre elas, só 39,9% deram notas de recomendação que os classificariam como promotores da antiga empresa. Mas uma a cada três (32,6%) se colocaram como detratores (o restante foi classificado como neutro). Na mesma pesquisa, 61,7% expressaram vontade de pedir demissão de seu emprego de então.

Embora no Brasil a legislação proteja marcas e empresas contra difamação de detratores em redes sociais, por exemplo, não há como interromper o movimento de insatisfação que fará mensagens ruins respingarem de volta na reputação da empresa. Gente insatisfeita não elogia, não sorri, não trata bem os demais. Seu desconforto, mesmo não anunciado – e não tenha dúvida que ele é expresso na família, na escola ou na mesa de um bar – é por vezes visível, traduzido em mau humor, desânimo ou baixa produtividade.

Por isso, tão importante quanto saber o que seus clientes pensam de você, é entender como sua equipe vê sua empresa por dentro e cuidar de seu público interno como um de seus melhores consumidores. Por que, afinal, eles serão a “cara” concreta de sua marca mundo afora.

ESG – é mais fácil no papel do que na prática.

Braskem e ESG
Pode ser que alguma questão ESG venha a ser um enorme tiro no pé.
Programas inconsistentes podem trazer prejuízos à reputação de empresas, marcas e produtos

O afundamento da cidade de Maceió (AL) por danos provocados pela extração de sal-gema do subsolo é um dos desastres ambientais anunciados. O processo começou em 1976 pela então Salgema, convertida em 1996 na Trikem, que em 2002 faria parte do grupo de empresas fundidas para a criação da gigante Braskem.

Os primeiros abalos foram sentidos em 2018. A produção, interrompida em 2019, foi retomada dois anos depois em meio a negociações com moradores para realocação e com poderes públicos, sustentando a medida com estudos e medidas operacionais de segurança. Quase 19 mil famílias fecharam acordo com a companhia até 2022 e a prefeitura recebeu R$ 1,7 bilhão de indenização.

Ao mesmo tempo, a petroquímica exibe em seu website seu compromisso com questões ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança). No quesito “Estratégia de Desenvolvimento Sustentável”, por exemplo, surge a afirmação: “Temos o propósito de transformar a vida das pessoas a partir de soluções sustentáveis da química e do plástico, analisando os impactos da cadeia de valor.”

Seriam os habitantes das áreas comprometidas em Maceió participantes desta cadeia de valor? Sem entrar no mérito do sucesso das ações compensatórias em que a empresa se engajou, surge aqui o maior desafio relacionado a ESG – é mais fácil no papel do que na prática.

Como de boas intenções o inferno está cheio, pode ser que a estratégia de ESG da Braskem jamais seja bem deglutida pelos maceioenses. Além disso, a propagação do processo pela imprensa deve ter impactado a reputação da empresa até em gente que sequer conhece Alagoas.

Claro que, com o gigantismo da empresa, o impacto reputacional pode ser do tamanho de um fiapo na lapela do paletó. Mas fica a questão. O espírito com que as empresas abraçam o ESG pode, sim, afetar sua reputação. O empenho em parecer “boazinha” pode trazer muitos pontos na somatória reputacional em curto prazo ou para certos públicos, como acionistas, e sofre em contraposição de eventos que exigem tentativas para limpar a barra depois de desastres, quando a “maquiagem verde” de companhias, marcas, processos ou produtos nocivos (conhecido em inglês como greenwashing) mostra que, afinal, era só discurso – e o rei está nu.

…mostra que, afinal, era só discurso – e o rei está nu.

De outro lado, embora volta e meia pesquisas apontem o crescimento do número de consumidores conscientizados, vale o questionamento: o que vale exatamente na hora da compra?

Para ter impacto positivo no longo prazo, os programas de ESG talvez tenham de começar modestos – de acordo com o tamanho da empresa, é claro, difícil combinar “modéstia” e “Braskem”. Seja em qual for a área escolhida, os programas devem ser projetados com consistência suficiente para serem reconhecidos por seus públicos e, na ponta, pelo consumidor (mesmo que nenhum deles vá consumir algum produto de empresas como Braskem). Passo a passos, pouco a pouco, quem sabe com divulgação de resultados superando a antecipação de metas e agregando algum peso reputacional a favor da companhia e de suas marcas.

Vale a pena pensar um pouco mais sobre isso. Afinal, pode ser que alguma questão ESG venha a ser um enorme tiro no pé.

Pela luz dos olhos teus

O processo estruturado de auditoria ajuda a descobrir tesouros reputacionais ocultos e pouco aproveitados – além de oportunidades de melhorias relacionadas a questões mal avaliadas

A música composta por Tom Jobim e Vinícius de Moraes, ícones do movimento conhecido como Bossa Nova no século passado, apresenta uma perspectiva interessante quando colocada sob o ponto de vista da reputação. Afinal, se ela se equipara à soma das percepções relacionadas a uma determinada marca, empresa ou mercadoria, nada mais importante do que conhece-las para alcançar a reputação desejada.

A questão é que nem sempre o que pensamos sobre nós mesmos corresponde à forma como somos vistos, ou percebidos. O mesmo se dá em qualquer dimensão, desde o corporativo até um produto mais específico. Proprietários e executivos podem não ter a mesma visão, ou percepção, de um cliente, funcionário ou vizinho da empresa, só para citar alguns exemplos.

É aqui que entra o processo estruturado de auditoria de reputação. A meta é revelar até que ponto convergem as visões internas e externas da companhia. E a investigação sobre os pontos de vista de diferentes públicos pode revelar tesouros ocultos.

Uma empresa de pequeno porte pode descobrir que sua marca é muito mais bem vista pelo mercado do que seu tamanho poderia levar a supor e, desta forma, empregar esse fator em diferentes formas de negociação com seus clientes para obter, digamos, melhor exposição de seus produtos ou condições mais vantajosas de vendas em termos de preço, prazo ou quantidades.

Outra, com desafios financeiros circunstanciais e dificuldades em acessar a rede bancária, pode descobrir simpatia extra de seus fornecedores para atravessar um momento difícil. Mais uma poderia encontrar junto a seus funcionários tal adesão a ponto de ver que eles se tornaram verdadeiros embaixadores da marca em seus perfis pessoais digitais, oficializando-os na posição e contaminando outros públicos.

Claro que sempre há um outro lado. A auditoria pode trazer luz a questões similares, mas do lado oposto. Embora a companhia pague bem seus funcionários, gestores disfuncionais geram conflitos e colocam equipes em risco. Capital de giro disponível na rede bancária não resolve fornecedores maltratados por prazos de pagamento ou condições de atendimento insalubres, capazes de criar antipatias ao longo do tempo. O desconforto gerado pela construção de uma nova unidade, sem compensação ou no mínimo aviso prévio, pode causar tal desconforto a ponto de vizinhos se unirem contra o alvo comum.

E por aí vai. Tudo isso pode ser descortinado pelo conhecimento aprofundado sobre, afinal, qual é a verdadeira reputação que está em jogo. E é neste ponto onde se dá o encontro com as palavras do poeta:

Quando a luz dos olhos meus

E a luz dos olhos teus

Resolvem se encontrar,

Ai que bom que isso é meu Deus,

Que frio que me dá o encontro desse olhar.

Reputação no pódio gera mais de R$ 34 bilhões

Ferrari e Hamilton

Um ano antes da chegada de Lewis Hamilton à Ferrari, o valor da empresa disparou

A movimentação do ano na temporada 2024 foi um anúncio de contratação a partir de 2025. E não foi coisa pouca. O acordo entre o heptacampeão da Formula 1, Lewis Hamilton, e a escuderia italiana elevou a capitalização de mercado da Ferrari em quase US$ 7 bilhões.

A iniciativa coroa um verdadeiro casamento reputacional. De seu lado, o piloto inglês acumula feitos inéditos e opiniões fortes. Primeiro a alcançar a marca de vitórias do alemão Michael Schumacher, também é, até agora, o único piloto negro a liderar o pódio da competição e não deixou de levar a bandeira identitária ao pódio. Os R$ 100 milhões anuais negociados batem o recorde de salário no segmento, por puro merecimento.

O acordo elevou a capitalização de mercado da Ferrari em quase US$ 7 bilhões.

A Ferrari, por sua vez, alcançou em 2023 o maior lucro de sua história, mais de 1,2 bilhão de euros (perto de R$ 6,7 bilhões). A venda de 13,6 mil unidades gerou faturamento de 5,97 bilhões de euros, 17,2% mais que em 2022. O preço do carro reflete o apreço, a mística e, claro, a reputação da marca.

Ferrari e Hamilton
Foto ilustrativa: Imagem de Ádám Urvölgyi por Pixabay

Claro que a Mercedes, deixada para trás por Hamilton, não terá sua reputação destruída por perder o piloto. Mas a mudança não deixa de ter impacto, pelo menos no universo da competição. Deve ficar restrita a ele. Afinal, a construção de uma marca deste porte, que completará um século de existência em 2026, foi criada com pilares que somam desde qualidade até imagem aspiracional, sólidos o suficiente para não serem abalados por um elemento específico.

Alguém se lembra, por exemplo, do mico que foi o lançamento do modelo Classe A, que falhou em teste de capotagem e acabou tendo vida curta? Pois é. Foi só um soluço no percurso, um arranhão que cicatrizou sem marcas.

Assim são as reputações. Nascem e se solidificam ao longo do tempo, com persistência, atenção aos detalhes e, acima de tudo, consistência. Hamilton sabe disso, a Ferrari também (e, claro, idem a Mercedes). Como os exemplos mostram, o valor gerado pela soma de pontos reputacionais pode ser imbatível – e extremamente lucrativo.

Treinamentos podem melhorar (ou destruir) sua reputação

Como os treinamentos podem ajudar na reputação
Levar funcionários a “vestir a camisa” da empresa pode ser um tiro no pé se a camisa for apertada, fora de moda ou estar pouco limpa

Sucesso da estação de premiações televisivas deste início de ano, a série Sucession (disponível na HBO Max), já em sua quarta temporada, conta a saga de uma família proprietária de um império de mídia fundada por seu patriarca, que disputa a liderança do grupo com acionistas hostis e filhos ambiciosos. O grupo almeja ser o maior titã mundial do setor e abraça desde cruzeiros marítimos a jornais, jogos eletrônicos e parques.

Um raciocínio que vem a partir da série que faz sucesso na HBO Max

E é nesse segmento onde o drama imita a vida. O primeiro episódio da novela apresenta um novato – sobrinho do patriarca – que tenta emprego em um dos parques do grupo e passa por treinamento, certamente inspirado na famosa Universidade Disney. Infelizmente ele não havia sido preparado o suficiente para enfrentar criancinhas tresloucadas, que o levam a destruir a fantasia, correr em fuga e ser despedido em seu primeiro dia de trabalho depois de quase agredir um dos meninos entusiasmados.

A Universidade Disney foi criada para oferecer a seus funcionários recursos para excelência em atendimento. Eles são preparados para atender seu público com maestria (naturalmente, oferecendo soluções possíveis para situações como a descrita acima). Já foi muito além deste quesito e oferece formação, inclusive para terceiros, em tópicos que incluem gestão, criatividade e inovação. Mesmo não sendo uma instituição educacional credenciada como tal, é uma das escolas mais respeitadas no mundo na área.

O primeiro dia do programa se dedica a apresentar as tradições do grupo, incluindo sua história e cultura. É o mesmo que ocorre na série televisiva. A diferença é que enquanto a Disney mantém sua reputação com tentáculos bem preparados em diversos pilares, da bolsa aos sindicatos, a ficcional corporação do drama premiado apresenta pecadilhos reputacionais em todas as áreas possíveis.

Os membros da família incluem viciados em recuperação (ou não), irresponsáveis e desempregados de carteirinha. Um deles se dedica a colecionar peças históricas da segunda guerra mundial, como o pênis de Hitler, e, quando finalmente se decide trabalhar, depois dos 50 anos, descobre o cargo que considera ideal – a presidência dos Estados Unidos – e defende nos próprios canais do grupo ideias como deixar de pagar impostos. Corporativamente, a empresa destrói parceiros recém adquiridos, abusa abertamente de empregados e acionistas.

O  treinamento ficcional insiste na necessidade de “vestir a camisa”. Mas que camisa, cara-pálida? Não há programa capaz de superar questões reputacionais prementes, internas ou externas. A cultura, o modo de fazer as coisas, reflete e, ao mesmo tempo, constrói a reputação de qualquer instituição. E é esse modo de fazer as coisas – todas elas – a régua que vai medir o índice reputacional capaz de enriquecer ou destruir o sucesso de uma empresa, marca ou produto.

Mas que camisa, cara-pálida? Não há programa capaz de superar questões reputacionais prementes, internas ou externas.

Pouco adianta ensinar empregados a reproduzirem fielmente o modo de fazer as coisas se ele, no fundo, corresponde à verdade de fatos pouco positivos. Mais cedo ou mais tarde eles serão expostos por funcionários ou ex-funcionários, minando por dentro os resultados a serem obtidos. Avaliar a questão reputacional sob este ponto de vista é uma boa estratégia para os responsáveis por treinamento e educação corporativa.

Espelho, espelho meu

Imagem e Reputação
A imagem que você vê no espelho não é a que cria sua reputação

Olhe-se com atenção no espelho. Você realmente se vê como os demais te enxergam? Consegue identificar a diferença? Ângulo, volume, iluminação são alguns dos fatores externos determinantes de sua imagem, que nem sempre você próprio consegue alcançar.

Podemos ir adiante. Você acredita que sua imagem reflete sua reputação? A forma como você é identificado (ou identificada) pelas outras pessoas diz tudo sobre quem você é? Por exemplo, quais são seus valores, como você toma decisões, para que time você torce ou qual o sabor de pizza tem sua preferência são questões internas que sua imagem pode não espelhar.

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

Por aqui temos algumas pistas da diferenciação entre imagem e reputação, que podem ser relevantes no âmbito individual, mas assumem papel crucial quando envolvem marcas, empresas, produtos ou serviços. Mal comparando, já que academicamente os termos podem se confundir, a imagem refletiria seus aspectos externos mais concretos, enquanto a reputação é formada com aspectos mais internos e até mais sutis.

Mesmo a imagem pode ser enganosa. Considerado seu aspecto mais externo e concreto, seria o resultado de uma somatória de percepções palpáveis e resultantes de contato direto, como as mensagens transmitidas por meios de comunicação ou a qualidade do produto ou serviço. Um exercício corporativo interessante é elencar qualidades objetivas que a instituição em foco acredita ter (ou seus produtos e serviços, por exemplo) e confrontá-las com a lista formada por outros públicos, como funcionários, clientes, fornecedores, mercado financeiro, imprensa.

Reputação é o resultado de uma somatória de percepções palpáveis e resultantes de contato direto, como as mensagens transmitidas por meios de comunicação ou a qualidade do produto ou serviço.

Pode ser que deste cruzamento de informações surja algo na linha do velho ditado, por fora bela viola e por dentro pão bolorento (aliás, qual será a origem dessa frase? Quem souber comente, por favor!). É o caso de uma empresa instalada em um prédio maravilhoso, com produtos lindos, assinando mensagens lindas e tocantes mundo afora… Mas, de outro lado, trata mal seus funcionários, atrasa seus pagamentos, às vezes não joga limpo com fornecedores, desmata a Amazônia, usa matérias-primas geradas com uso de mão de obra escravizada e por aí vai.

Nem sempre há como um consumidor ter acesso ao nível de bem-estar dos funcionários, ou ao calendário de pagamentos dos fornecedores. Um fornecedor pode não ter domínio sobre o desmatamento promovido pela empresa. Mesmo indicadores de governança, sustentabilidade e atenção social – a famosa sigla ESG – podem ser maquiados, voluntária ou involuntariamente.

Entretanto, todos estes pequenos atos, agregados, vão compor a reputação. Pois esta é multifacetada, enxergada de várias formas e resulta da somatória de percepções de diferentes públicos afetados pela empresa ou marca. Mesmo invisível a olho nu, elas estarão presentes e passíveis de contaminar diferentes segmentos da sociedade.

Um vizinho da empresa que vê a forma como o lixo é descartado ou um comprador que percebe em uma loja o descaso refletido nas equipes de vendas são elementos pequenos, que se juntarão aos grandes, para formar a tão sutil, mas nem tão intangível, reputação, uma construção coletiva, multifacetada e dinâmica que merece bem mais atenção do que a construção de um belo e idealizado reflexo.

Por isso, o trabalho direcionado a atuar sobre a reputação começa com uma investigação junto a públicos por vezes negligenciados, incluindo desde funcionários a fornecedores e formadores de opinião. O resultado pode ser surpreendente – e nem sempre no mau sentido, já que podem vir à tona tanto ameaças, que devem dar origem a medidas corretivas, quanto oportunidades “escondidas”, que podem se transformar em benefícios reputacionais concretos.

Quem é você no quadro da inteligência artificial

No momento de criação de mensagens, imagens, sons, movimentos e relacionamentos regidos por inteligência artificial, valores e posicionamento sólidos sustentarão a reputação de marcas, empresas, produtos e serviços

A ressurreição artificial de Elis Regina para propagandear uma marca automotiva pode ter sido uma boa ideia – principalmente para quem tem mais de 50 anos e memória saudosa da voz da cantora, falecida em 1982. Mas, além de chamar a atenção do público, a iniciativa abriu discussões sobre limites a serem impostos à inteligência artificial (IA).

Sem aprofundar questões como as três leis da robótica definidas por Isaac Asimov em seu best-seller de ficção científica “Eu, robô” (robôs não podem ferir humanos nem permitir seu mal; devem seguir ordens humanas, desde que conformes com a primeira lei; e deve proteger sua existência, sem entrar em conflitos com as leis anteriores), ou dúvidas éticas envolvidas, por exemplo, nos direitos autorais de peças criadas por inteligência artificial em sua versão generativa, famosa depois da criação do ChatGPT, um tema foi destaque no Web Summit que ocorre esta semana em Portugal – confiança.

Imagem de Tung Nguyen por Pixabay

Acontece que confiança decorre diretamente da reputação. Aquela, construída ao longo de detalhes e mais detalhes. O atendimento robótico fica menos antipático na medida da inteligência empregada na construção da ferramenta e, principalmente, se você sabe aonde chegará. Uma árvore de decisão que não te leva a lugar nenhum e gasta minutos preciosos do seu tempo antes de finalmente levar a um atendimento humano pode fazer marcas ou empresas perderem estrelinhas no quesito paciência.

Mas sua reputação, garantida por outros pilares, como qualidade do produto ou atendimento superior em momentos anteriores, pode ajudar a amenizar o incômodo. A chegada da IA generativa, capaz de entender e responder linguagem natural com base em uma quantidade de dados extremamente volumosa, seduz responsáveis por marcas e reputação com a criatividade artificial infinita.

Sim, é possível até criar posicionamento, mensagens e vídeos correspondentes ao que se quer transmitir. A questão é conseguir lidar com todas as possibilidades sem perder a confiança. Um médico pode ter apoio de IA generativa para transcrever consultas, inseri-las em um prontuário eletrônico e até receber dicas de próximos passos para o tratamento. Tudo em linguagem natural, como se estivesse conversando com um colega. A tecnologia, entretanto, ainda não substitui o poder da escuta do profissional.

O momento é de usar a riqueza trazida por dados, muitos e muitos dados, de todas as fontes – desde a internet até todos aqueles gerados em diferentes pontos de contato com o consumidor e outros públicos de interesse. Mais do que nunca, entender e antecipar demandas e desejos dos consumidores é crucial para sobrevivência em ambientes competitivos e é claro que a tecnologia é essencial para tarefas operacionais que extrapolam a capacidade humana. A grande oportunidade é fazer tudo isso sem perder a mão, mantendo os pontos conquistados na construção reputacional.

A (in)sustentável leveza da reputação

Falta de luz em SP Enel

Talvez poucos se lembrem do romance de Milan Kundera, sucesso no fim século passado e inspiração para o título deste artigo. No livro, quatro personagens, cada um a seu modo, vivencia escolhas e aprecia a beleza de situações que acabam se mostrando opressoras. “Apenas, talvez, vivacidade e mobilidade da inteligência escapem da condenação”, comentou o também escritor e jornalista Italo Calvino.

A reputação bem cabe no campo de questões aparentemente leves, sutis e até positivas que podem, do nada, cair em um abismo opressor do qual é difícil sair. Principalmente quando construída em pilares menos sólidos, quando, por exemplo, a atenção à imagem é prevalente sobre outros esteios.

Tudo isso vem à mente ao contato com uma campanha comunicacional e midiática promovida pela Enel após o apagão que assolou o estado e, principalmente, a região metropolitana de São Paulo após uma tempestade, evento com tendência se ser mais corriqueiro na medida do acirramento dos desequilíbrios climáticos.

Será que a companhia não sabe disso?

Sim, não é a primeira vez que a região sofre com tempestades e apagões – há exatos dez anos, ainda como AES Eletropaulo, ocorreu cenário parecido.

E aí, em meio ao caos – cinco dias depois da tempestade, ainda eram mais de 40 mil domicílios sem energia na região – o presidente da empresa vem a público em entrevista na TV falar sobre o esforço da empresa em triplicar suas equipes para atendimento emergencial e a responsabilidade da prefeitura sobre a poda de árvores para evitar a queda.

Na mídia de massa, anúncios abordam como a empresa está trabalhando intensamente frente à tempestade fora do comum, usando todos os recursos disponíveis, tendo reestabelecido a energia em hospitais em 24 horas e recuperando o fornecimento para 1 milhão de clientes.

Entretanto, quem está sem energia há mais de cinco dias questiona: e daí? Estão mesmo sendo usados todos os recursos disponíveis? Seria possível, digamos, contratar um gerador e colocar aqui no meu condomínio enquanto outros problemas técnicos são resolvidos? Teria sido possível melhor manutenção preventiva, ou preditiva, por parte da empresa?

Aqui entra a insustentável leveza da reputação. Enquanto tudo vai bem, nada a questionar. Sem ventos ou tempestades, as árvores não caem e não importa a redução de equipes próprias e a potencial falta de comprometimento provocada pela terceirização – só para constar, em 2014 a AES percebeu o erro de mandar embora funcionários gabaritados com conhecimento técnico e memória do sistema e aumentou seu quadro de 6 mil para 8,8 mil funcionários; a Enel apostou de novo na terceirização, com o número de trabalhadores próprios caindo de 7 mil para 3,9 mil e prestadores de serviços com salários achatados.

Pois, como se sabe, a reputação, a exemplo do diabo (ou de Deus), mora nos detalhes. De que serve uma campanha de mídia para quem está sem energia sequer para receber a mensagem? Quem recebe a mensagem engole o fato de a empresa estar fazendo tudo a seu alcance, frente ao noticiário dando conta da realidade?

Quantos funcionários extras, ou geradores, o valor empenhado em mídia teria pago? Em que momento a área de gestão de crises da companhia enlaçou questões técnicas às reputacionais? Trabalhadores próprios e terceirizados estão satisfeitos o suficiente para enfrentar dramas deste tipo? Recursos e treinamento da área de atendimento dão conta de clientes raivosos (com toda razão)?

E assim, como uma pluma no ar repentinamente afogada pela tempestade, a reputação pode ir pelo ralo. Claro que crises existem. Mas elas podem (e devem) ser imaginadas, previstas e ganhar planos consistentes. Inclusive sobre impactos reputacionais. Ninguém dimensiona uma estrada para o domingo à tarde de um feriadão, comparou o presidente da companhia. Sim, mas planos de contingência preparam as pistas para o momento. Com a reputação deve ocorrer o mesmo.

Irracionalidade, audiência e reputação

Na semana passada, o X (antes Twitter), um dos termômetros atuais das tendências que vagam pelo imaginário humano, registrou em seus assuntos mais quentes o assunto “Lacta”, ocupando o quinto lugar entre os mais comentados do dia.

O gatilho foi o compartilhamento e reações em massa de um vídeo gravado por um usuário da rede mostrando caixas de bombons da concorrente Nestlé. O cidadão explica que suas crianças haviam pedido caixinhas da marca Bis, mas o produto teria sido vetado por conta do patrocínio da fabricante Lacta ao influenciador Felipe Neto, “aquele vagabundo, aquele lixo, um esquerdista que faz apologia a terrorista e fica falando besteira para as nossas crianças”, segundo esse cidadão.

Em contrapartida, os fãs de Neto, conhecidos na internet como “corujas” – e do chocolate castigado – saíram à frente e galgaram a terceira posição do ranking com a hashtag “#CorujasPedemBis”.

Imagem: Post Felipe Neto no Twitter https://twitter.com/felipeneto/status/1711848712480116768/photo/1

O episódio poderia ser até anedótico, não fosse a polarização acentuada em torno de qualquer tema a partir de uma definição de liberdade de expressão que inclui ofensas pessoais, ataque a marcas ou instituições, em um simulacro de comportamentos antes restrito, digamos, a temas como discussões futebolísticas em defesa do time do coração.

Da mesma forma como a paixão pela camisa, os mais diversos temas estão saindo do campo da lógica para arroubos emotivos onde a última camada é a racionalidade. Outro exemplo são as críticas exacerbadas sobre a presença de publicidade do governo federal em mídia de massa e, particularmente, na emissora líder de audiência, elevada por alguns defensores do atual governo a inimiga do povo.

A questão é que a racionalidade e a lógica dos números se apoiam em audiência para seleção de iniciativas de apoio a marcas, como mídia e patrocínios. Em que pese esforços como do movimento Sleeping Giants, para mostrar a grandes marcas sua presença junto a veículos propagadores de notícias comprovadamente falsas – mesmo com grande audiência –, são os dados os principais direcionadores de estratégias profissionais de construção de marcas.

Felipe Neto, por exemplo, entrou para o ranking dos cinco maiores youtubers do mundo, com mais de 44 milhões de inscritos em seus canais. Ele é sócio da agência Play 9, uma das dez maiores no campo de marketing de influência digital no país, com investidores de peso como Arezzo. A TV Globo ainda mantém médias como um terço da audiência da TV aberta do país. Quando o FlaFlu ideológico busca criar um desvio padrão nas estatísticas alguma coisa vai dar muito errado.

Saber navegar neste universo não é para amadores. Patrocínios, divulgação e estratégias de emprego de mídias, sociais ou de massa, são alguns dos muitos dentro de uma enormidade de fatores que ajudam a construir a reputação. Ainda bem que o mercado está repleto de profissionais competentes o suficiente para não se deixarem levar pelo fígado na hora de estabelecer seus planos e táticas para construir e manter em alta essa questão tão diáfana quando decisiva para o resultado dos negócios, a reputação de empresa, marcas, produtos e serviços.