Empresta sua reputação?

Empresta a sua reputação

Alguém pede sua caneta Bic emprestada, pode ser que você a entregue de bom grado. Seria o mesmo se fosse seu carro, por exemplo? Ou, quem sabe, um namorado ou esposa?

A Mondelez, dona da Lacta e da marca de chocolates Bis, anunciou que está reavaliando sua estratégia de influência. Essa reavaliação inclui, além de analisar os números de audiência de um influenciador, avaliar quantitativamente a reputação da personalidade a ser apoiada, patrocinada ou contratada como porta-voz, evitando perfis envolvidos em opiniões políticas e outras questões mais sensíveis a alguma parcela de seu público de massa.

A decisão de se precaver contra possíveis efeitos negativos deste tipo de propaganda ocorre depois de polêmica envolvendo a participação do influenciador digital Felipe Neto com a marca Bis. Hoje ativista político, o rapaz, que estreou nas redes online com vídeos humorísticos nos anos 2010, hoje tem uma audiência somada de 45 milhões de seguidores só no YouTube, um ativo nada desprezível para estratégias comunicacionais. Só para comparar, o Jornal Nacional, um dos programas de TV aberta de maior audiência do país, é assistido em média por menos de 80 milhões de pessoas por dia.

Mas a iniciativa da Mondelez levantou críticas à marca por parte de oponentes do garoto-propaganda no campo político. O que traz uma questão: até que ponto a reputação pode ser adquirida ou é “emprestável”, inclusive como via de mão dupla, já que a marca também “empresta” sua reputação ao influenciador, digital ou não, cuja fama busca como forma de apoio.

Um exemplo inesquecível foi a participação do cantor Roberto Carlos, vegetariano conhecido, em campanhas do frigorífico JBS, cuja carne sequer provou em comercial da marca. Embora famoso desde a década de 1960, a ação colocou em cheque o valor do “empréstimo” de imagem a um indivíduo com valores pessoais contrários ao da marca, arranhando tanto a imagem de um como quanto do outro.

Um exemplo mais atual, e de mão dupla, é o movimento de luxo silencioso (quiet luxury), tendência refinada e discreta para o mundo da moda que valoriza sutilezas como qualidade, corte e atemporalidade das peças, em contraste com a ostentação e a necessidade de exposição indiscriminada de marcas.

Imagem de 明辉 李 por Pixabay

Neste caso, a reputação do indivíduo – possivelmente um consumidor mais abastado – conta pontos extras no encontro com a reputação das marcas que veste, mais facilmente “reconhecíveis” por fazerem parte de seu universo reputacional. Um indivíduo fora deste círculo pode não ter o mesmo sucesso, ou reconhecimento, o que gerou há poucos anos o movimento contrário (tipo “quanto custa o outfit?”), com exibição de preços pagos por peças de vestuário, acessórios e que tais em vídeos diversos internet afora, como uma tentativa de “valorizar” também o “exibidor” das marcas.

Produtos, marcas e organizações com boa reputação podem, e devem, se preocupar com o “empréstimo” de reputações de seus patrocinados e afins. Inclusive porque também cederá a ele parte da sua boa reputação, que é construída tijolo a tijolo, com empenho de tempo, dinheiro e dedicação. Quem quer mantê-la deve avaliar suas relações em todos os campos, seja na área de influência digital, na portaria de sua sede, no respeito aos funcionários ou na bolsa de valores. É assim que vai mostrar, sutilmente, quanto custa seu outfit.

O G da questão

Empresas envolvidas nos temas ESG nem sempre dão a atenção devida ao aspecto de governança, o último da lista, mas não menos importante

Recentemente, a Vale ganhou manchetes por conta de CPIs no estado do Pará, uma estadual e uma municipal. O tema são questões tributárias relacionadas à categorização de ouro como subproduto do cobre, supostamente para reduzir a taxação do produto.

De fato, é assim que o produto aparece no balanço da empresa. Mas, pelo sim, pelo não, a gigante entregou ao órgão regulador do mercado financeiro norte-americano, a SEC, relatório contábil explicando enfrentar processos por conta da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral), inclusive relacionados ao tema.

Um desafio, segundo depoimento do diretor jurídico da Vale à CPI estadual, é uma discussão jurídica a respeito da base de cálculo sobre a qual o tributo incide, o que dificulta a governança corporativa.

E aqui está o G da questão.

Enquanto o mundo se debruça sobre as questões sociais e ambientais definidas pelo conjunto ESG, a governança se tornou quase uma eminência parda – um assunto pouco debatido e deixado de lado inclusive por implicar, às vezes, em características contábeis e outras deste tipo.

Mas o assunto ganha relevância de tempos em tempos. A partir de 2001, a quebra de empresas como a Enron, nos Estados Unidos, levou à definição de regras mais estritas de auditoria e segurança na lei Sarbanes-Oxley, de 2002. No Brasil, a operação Lava-Jato acendeu o alerta para necessidade de gerenciar melhor as boas práticas de governança e compliance, ou o cumprimento a regras – de ambientais a éticas e sociais. Em dez anos, o percentual de empresas brasileiras listadas em bolsa com área de compliance para gestão de risco saltou de 39% para 69% registrados no ano passado.

A questão é que existem regras e regras.

Além de legislação, normas e que tais, existem aquelas mais sutis, aparentemente insignificantes, que acabam contribuindo para o tom positivo ou negativo do boca-a-boca, inquestionavelmente capaz de provocar impacto reputacional. Exemplos pequenos, como cuidar do respeito e da cordialidade como um fornecedor é atendido pela área de compras, o ambiente de convivência de funcionários, ou até mesmo incentivar líderes a serem no mínimo polidos com os colaboradores podem beneficiar tanto ou mais a reputação de uma empresa do que suas discussões tributárias.

Compliance vai adiante. É importante criar consciência sobre o cenário dentro de casa.

  • Qual o respeito da empresa pelas regras, estabelecidas ou sociais?
  • Qual a dose de mesquinharia que coloca na negociação com os fornecedores?
  • Quanto “espreme” seus funcionários?
  • Até que ponto lembra de parabeniza-los por alguma atitude inesperada, fora do manual, que deixou um cliente encantado?

Afinal, a reputação da empresa corresponde à visão de quem está fora dela. Mas cabe a ela conhecer e definir os pilares sobre os quais vai se assentar.

E, neste caso, é sempre bom lembrar do G da questão.

A princesa, o arroz com feijão, os comprimidos e o Lollapalooza

Lollapaloza
Como a cadeia de valor pode impactar a reputação de instituições, marcas, empresas e produtos

O que Kate Middleton tem em comum com o brasileiríssimo arroz com feijão? Ou o que une vinho a comprimidos? As respostas estão reunidas em torno do impacto de comportamentos ao longo da cadeia de valor na reputação de cada um – e como que o fato de ter um “colchão” reputacional pode reduzir este impacto ao mínimo

Vejamos a princesa. Cultivada pelo amor britânico à instituição monárquica, costuma ser a melhor garota-propaganda para estimular as vendas do vestuário com que brinda suas aparições públicas. Em março o uso de um acessório da Zara, um par de brincos com custo aproximado de R$ 100, fez o produto desaparecer no e-commerce da marca espanhola algumas horas depois de aparecer no visual de Kate.

Em contrapartida, a demonstração de despojamento trouxe críticas pelo estímulo à fast fashion, tendência de moda descartável com graves consequências ambientais, e resvalou em questões como a exploração de trabalho infantil, identificado em 2016 na Turquia envolvendo refugiados sírios, e até no Brasil, onde processo contra a marca incluiu também trabalho análogo ao da escravidão.

Isso, claro, não significa que a princesa apoie a destruição do ambiente ou da degradação humana. Muito menos que tenha deixado de ser admirada pelos britânicos, já que sua aura institucional é suficiente para manter a reputação em alta.

Mas os processos estavam ali, impressos em sua cadeia de valor. Aliás, apesar da responsabilização legal, não é possível afirmar que a Zara seja a favor da exploração de criancinhas, que ocorreu, de fato, em oficinas fornecedoras da marca. E outros valores impressos em sua reputação mantiveram os negócios em alta.

Cadeia de Valor de Michael Porter

Entender com mais profundidade o comportamento de sua cadeia de valor, incluindo fornecedores de serviços e produtos, é uma etapa delicada no percurso da boa reputação. O processo não é fácil e nem sempre passível de identificar e administrar sutilezas que podem detonar uma crise reputacional. Entretanto, a construção contínua de prestígio junto aos diversos públicos pode reduzir a ferida frente ao imponderável, se e quando surgir.

Veja o caso do arroz. Este ano, o resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão em Uruguaiana (RS) colocou no palco a Basf, que passou a ser investigada por manter contrato de fornecimento de sementes com as fazendas fiscalizadas – neste caso, a empresa tomou a dianteira de vir a público divulgar o encerramento dos contratos e procurar as autoridades para contribuir com a resolução do caso, antes que a coisa piorasse e tomasse dimensão capaz de abalar a reputação secular da companhia.

A questão do trabalho análogo à escravidão de grande monta tomou as manchetes este ano com os escravos do vinho. Também no Rio Grande do Sul, as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton se comprometeram a pagar R$ 7 milhões em indenizações e Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por terem contratado uma empresa para fornecimento de mão de obra terceirizada, a Fênix, que mantinha trabalhadores em condições degradantes. Embora o caso não tenha repercutido diretamente nas compras pelas redes varejistas, um consumidor bem informado pode ter tido dúvidas na frente da gôndola ao se deparar com as marcas.

Em São Paulo (SP), outra investigação de trabalho escravo secundou o sucesso do festival musical Lollapalooza, com a T4F, responsável pelo evento, e Yellow Stripe, que opera os bares do festival, notificadas depois de fiscais do trabalho identificarem trabalhadores desta última obrigados a dormir junto aos engradados de bebidas, supostamente por segurança. Em resposta, a T4F anunciou rescisão de contrato com a Yellow Stripe e explicou contar com mais de 9 mil trabalhadores diretamente no local do evento, com mais de 170 prestadoras de serviços. Ou seja, na prática, virtualmente impossível gerir com precisão essa cadeia gigantesca. De novo, vale a questão do saldo reputacional: uma vez sólido o suficiente, é capaz de criar uma espécie de barreira contra o prejuízo à reputação.

A questão é que basta uma componente da cadeia fazer alguma besteira para associar a marca principal a algum mal feito. A mesma dinâmica fez com que a farmacêutica Libbs fosse condenada a pagar R$ 1,2 milhão pela morte de Ricardo Boechat. Não que um de seus medicamentos tenha envenenado o jornalista. Mas a empresa foi responsabilizada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo pela falta de segurança no transporte do jornalista. De novo, o meio de transporte empregado, um helicóptero cuja queda causou o óbito dos ocupantes, não era da empresa. A farmacêutica, que pode recorrer da decisão, alegou que o transporte era responsabilidade da organizadora do evento, Zum Brasil. Esta, por sua vez, explicou ter contratado a empresa RQ, do piloto Ricardo Quatrucci, falecido no acidente provocado por falta de manutenção da aeronave.

Acidentes acontecem. Mas as precauções para minimizar seu impacto reputacional devem ser embasadas em instrumentos para avaliar a reputação da empresa, localizar vulnerabilidades e propor, quando for o caso, medidas corretivas. Muitas vezes vale mais até a detecção de pontos positivos não claramente percebidos que podem se transformar em oportunidades e ajudar a enriquecer a “poupança” de reputação necessária para enfrentar acidentes. Afinal, eles são, por natureza, inevitáveis.


Foto capa: By Saaaaaf123 – Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=129929086

Sportwashing: nome novo (certo ou errado) para coisa antiga em época de mundial de futebol

Reputação de empresas e patrocínios espasmódicos
Photo by Connor Coyne on Unsplash

O termo “sportwashing” contém um significado negativo e pejorativo que vem sendo ignorado em uma grande quantidade de publicações. Para ser exato, sportwashing seria uma espécie de uso espúrio de atividades esportivas para ajudar a “limpar” o nome de clubes, empresas, até países que tivessem alguma conta a ajustar com a Sociedade. Uma palavra equivalente ao greenwashing, uso de atividades verdes, limpas, de bem com a natureza, por empresas que devem contas ao meio ambiente. O texto adiante usa a expressão “sportwashing” de uma forma que pode ser considerada incorreta. Deveria ser “sportmarketing”. Mantivemos com resevas a expressão que consideramos inadequada porque é assim que a atividade vem sendo chamada. A propósito, vale a pena ler outra matéria a respeito desse assunto: https://www.torcedores.com/noticias/2020/05/o-que-e-sportswashing-termo-ganhado-espaco-no-futebol-e-levanta-discussoes-em-todo-mundo.

Sportwashing seria, conforme vem sendo publicado, uma estratégia de marketing que utiliza o esporte para reposicionar a imagem de uma marca, produto ou país.

Seja o nome correto, seja o nome incorreto, a técnica é antiga, o nome é que é novo.

O Catar, querendo chamar atenção para si, levou para lá a Copa do Mundo. Mas Hitler, lá atrás, nos anos 1930, já tinha usado a Olimpíada para ganhar a opinião pública mundial para si e para o nazismo, que à época ainda não era o abominável nazismo em que se transformou mais adiante.  

O patrocínio desses megaeventos esportivos é território típico de grandes marcas internacionais, como no caso do atual Mundial de futebol: Adidas, Coca-Cola, Hyundai-Kia, Qatar Airways, Visa, Wanda Group e Qatar Energy, os dois últimos nomes, gigantescos conglomerados empresariais do próprio país.

Em resumo, são sempre tentativas de ganhar a atenção do mercado através da associação de marcas à popularidade de grandes acontecimentos de esporte.

Nem tudo sai, sempre, do jeito que foi planejado. Por exemplo, nunca a opinião pública mundial recebeu tanta informação como agora sobre a deplorável situação da mulher no Catar; nunca se falou tanto das condições sub-humanas a que foram submetidos, lá, os refugiados que trabalharam nas obras necessárias para realização do Mundial; os meios de comunicação vira e mexe mencionam, horrorizados por um lado, e até divertidos por outro, a perseguição desenfreada por parte das autoridades do Catar a qualquer coisa que lembre os movimentos LGBT. Até uma pobre bandeira de Pernambuco acabou sendo pisoteada pelos jagunços porque tem em seu centro (onde já se viu uma coisa dessas?) um arco-íris… Sem falar das muitas demonstrações públicas assistidas por milhões de expectadores, de equipes se ajoelhando em campo ou tapando a boca na hora da fotografia, como forma de protesto contra isto ou aquilo.

Estado de Pernambuco, Public domain, via Wikimedia Commons

Numa excelente matéria, o Estadão lembra outros megaeventos recentes e os prováveis objetivos dos países que os sediaram, bem como os imensos recursos investidos por cada um: Olimpíada no Japão, Mundial de Futebol na Rússia, Olimpíada e Mundial de Futebol no Brasil e Mundial de Futebol no Japão e na Coreia do Sul.

É óbvio que a invasão de turistas durante as duas ou três semanas do evento traz resultados financeiros muito bem-vindos, mas insuficientes para justificar os pesados investimentos.

“A visibilidade que uma Copa do Mundo dá a um país costuma aumentar seu turismo nos anos seguintes, levando dinheiro à região, gerando empregos e fomentando a economia”, lembra o Estadão na mencionada matéria.

Num caso como o nosso, entretanto, pergunta-se: houve, por acaso, um planejamento consistente para aproveitar a evidência em que o Brasil esteve ao realizar não um, mas dois grandes eventos? Quantos turistas a mais tivemos nos anos seguintes? Em verdade, e isso é lamentável, tanto uma realização como outra, foram meras decisões espasmódicas com interesses outros, com imenso desperdício de recursos. 

Pensando na reputação de marcas e empresas, é difícil imaginar algum argumento em defesa do mergulho de uma empresa, no delírio de um sportwashing (ou sportmarketing) dessa magnitude, até porque os recursos necessários para isso inviabilizariam a aventura.

Reputação, seja como for, se constrói de uma forma muito mais abrangente, consistentemente, permanentemente e não pode depender (para usar o termo empregado linhas atrás) de espasmos nesta ou naquela direção.

Reputação deve ser imposta de cima a baixo em empresas de todos os tamanhos, em todas as áreas de atuação, não importa se uma fábrica de brinquedos, uma indústria automobilística, uma rede hoteleira, uma ONG ou uma organização do setor que for, grande, média ou pequena, patrocinadora (ou não) de equipes esportivas, associações de benemerência ou o que seja.

Reputação é questão de atitude e também diz respeito a médias e pequenas empresas

Reputação empresarial
De um jeito ou de outro, não há empresário que não se preocupe com a forma como sua empresa é vista pelo mercado

Dito dessa forma — reputação de marcas e empresas– o assunto à primeira vista pode parecer restrito a grandes organizações com suas complexas estruturas internas e externas, suas agências especializadas no que quer que seja, seus especialistas em gestão de crise prontos para entrar em cena se houver um incêndio a apagar.

Engano.

Em verdade, pouco importa o tamanho da empresa. Cada qual tem seu mercado, seus fornecedores, funcionários, clientes de diferentes tamanhos e personalidades, tem influenciadores decisivos, bancos com que se relaciona com maior ou menor intensidade, pessoas de carne e osso em cada um desses segmentos, pessoas que podem falar bem ou mal sobre sua empresa, tenha ela o tamanho que tiver.

Também não é uma questão de mercado.

Indústrias de parafusos, fábricas de queijo, hospitais, hotéis, lojas tintas, revendas de automóveis, seja qual for o gênero da atividade, toda e qualquer empresa, tem que se preocupar, de uma forma ou de outra, com sua reputação, resultado líquido da forma como interage com as pessoas com que cruza em suas múltiplas formas de atividade.

Cada vez que um comprador recebe um fornecedor; cada vez que um entrevistador fala com um candidato a emprego; ou quando um vendedor expõe seus argumentos ao comprador de um cliente; quando o motoboy entrega uma encomenda, quando um consumidor avalia o seu produto no ponto de venda; sempre, sem parar, a reputação da empresa está sendo consolidada, positiva ou negativamente.

Reputação não depende, apenas, do que dizem eventuais anúncios.

Tudo (perdão pela repetição) contribui para a reputação de uma empresa ou de uma marca.

Eventuais problemas detectados na maior parte das vezes têm solução e na maior parte das vezes dependem de um fator não muito fácil de ser alcançado, mudança de atitude, disposição para enfrentar mudanças. Em muitos casos, boa dose de humildade para reconhecer que quase sempre há problemas comportamentais cuja origem está nas lideranças da empresa.

Trabalhei, por exemplo, para uma empresa que tinha três sócios e um deles, muito competente, era extremamente agressivo, ou para falar a palavre correta, grosseiro e, pior, até orgulhoso de sua grosseria, o que contaminava o relacionamento tanto interno como externo. Havia clientes que só concordavam em ter reuniões se houvesse compromisso de que aquele sócio estivesse ausente.

Num ambiente desses é difícil evitar danos à reputação da empresa como um todo.

Quando a palavra “relacionamento” vem à tona, é importante lhe dar o verdadeiro significado. Entenda-se: programa de relacionamento não é o simples cadastramento de clientes para mandar cartão de aniversário, de Natal, um ou outro desconto baseado na ideia “compre-10-que-o-11º. será-por-nossa-conta”.

Relacionamento íntegro, sério, por exemplo, do comprador com um fornecedor de matéria prima, leva, em primeiro lugar, a flagrantes benefícios para as duas partes e pesa favoravelmente na formação da “imagem” ou da reputação de uma empresa. Sem falar dos inúmeros benefícios que advêm disso.

Coloque-se esse mesmo raciocínio em relação a áreas tão distintas como Recursos Humanos, Vendas, Finanças, Marketing, Produção e todas as demais. São inúmeros os “pontos de contato”. Cada um contribui para a reputação da empresa.

Relacionamento, ainda que passe em determinados momentos por diálogos até espinhosos e tensos, não precisa deixar, sempre. respeitoso, coerente, leal. Esse clima, em todos os setores de uma empresa, gera confiança, e empresa confiável tem, numa outra ponta, o chamado “benefício da dúvida”, de valor inestimável em algum momento de crise, quando antes de condenar a empresa por alguma falha, provoca reações atenuadas com comentários do tipo “trata-se de uma empresa tão séria, isso deve ter sido um acidente”.

Num tempo de contínuos cortes de despesas como este que estamos vivendo, são as empresas médias e pequenas que ficam mais expostas a riscos provocados por falta de zelo à sua reputação, com reflexos os mais diversos.

O processo de trabalho que a nossa Percepta propõe, começa por uma análise mais formal ou menos formal para detectar eventuais pontos fracos que estejam a exigir cuidados mais urgentes. E segue com a participação ativa, estilo mão na massa, para que os fatores capazes de afetar a reputação sejam corrigidos. E percebidas pelo mercado.

Não. Reputação não é assunto restrito a mega organizações.

A propaganda não é a alma da reputação

Afinal, qual a importância da propaganda na construção da reputação de uma empresa?

Claro que propaganda contribui para a reputação de uma empresa ou de uma determinada marca, mas não tem sentido achar que quando se fala de reputação, está se falando de propaganda, só de propaganda.

O conceito de uma empresa depende de uma série muito mais ampla de fatores.

O longo caminho percorrido por uma empresa na construção de sua reputação passa por bons e maus momentos na convivência com os mais diferentes públicos e nas mais diversas circunstâncias –clientes, fornecedores, revendedores, funcionários, especificadores de produtos, mercado financeiro e tantos outros.

Por mais específicos que sejam os motivos que provocaram esses contatos, há sempre pessoas de carne e osso de um lado e de outro, pessoas com sentimentos e percepções naturais, positivas e negativas, que acabam formando conceitos que menos ou mais contribuem para a reputação.

Daí a certeza de que há muitas empresas que gozam de excelente reputação sem que para isso tenham tido necessidade de anunciar.

Muito mais questão de atitude que corre a empresa de alto a baixo. Quase sempre nesse sentido: de alto a baixo.

Tudo evolui. Por que a propaganda deveria ser exceção?

Como qualquer outra atividade, a propaganda evolui e mostra diferenças sensíveis em relação ao que era num passado não tão longínquo, quando anúncios como o antológico comercial da Valisere (1967), talvez o mais famoso da extinta W-Brasil, de Washington Olivetto tornavam-se logo assunto para conversas, artigos, comentários em todas as partes. (Para quem quiser rever comercial da Valisere, ele está no youtube)

Não se trata de afirmar que comerciais eram bons e agora são ruins.

Simples: era de um jeito, hoje é de outro.

Muita coisa mudou, por que cargas d’água só a propaganda deveria ficar do jeito que era?

Anúncios, seja onde for, sempre somam, não importa se institucionais, de produto, de divulgação de alguma promoção ou para dar esclarecimentos formais ao mercado a respeito de algum fato que tenha posto a empresa em evidência, atingindo negativamente a sua reputação.

A propósito, vale mencionar a diferença entre empresas que têm como norma fazer uso regular de propaganda institucional, e outras que recorrem emergencialmente campanhas de comunicação, com fortes investimentos em mídia para neutralizar episódios negativos que abalaram sua estrutura.

Como o foco neste instante é propaganda, acabei me lembrando de uma antiga campanha da Mobil, nos Estados Unidos, que hoje talvez nem fosse para o ar. Naquela época a opinião pública estava abalada em relação ao governo Bush (pai), com o país dividido de forma tão exacerbada (como hoje) entre democratas e republicanos.

Em seus anúncios, a Mobil parecia não se incomodar com a eventual perda de consumidores cujas ideias políticas e econômicas fossem diferentes das que a empresa defendia com toda clareza e destempero. Anúncios que não continham uma única palavra a respeito da qualidade dos combustíveis e lubrificantes da marca, apenas posicionavam a empresa, sem meias palavras, em assuntos nacionais muito sensíveis.

Anúncio Mobil

Não é preciso chegar a um exemplo tão extremo.

No dia em que se escrever a história das campanhas institucionais do país, haverá sem dúvida muitos e excelentes exemplos de anúncios (não importa se em mídia impressa, na televisão, em quaisquer das muitas alternativas oferecidas pela internet). Faça uma busca no Google e encontrará peças antológicas como, por exemplo, um comercial do Itaú. O banco, a pretexto de falar de economia de papel, filmou um nenê gargalhando com o pai rasgando um extrato de conta.

Determinados nomes famosos do mercado –não são muitos– podem se dar ao luxo de ter campanhas 100% corporativas, em momentos como Dia das Mães, Dia da Árvore, Dia Sei Lá do Quê, sem qualquer preocupação de vender este ou aquele produto. Ou anúncios também institucionais, talvez nem tanto, para saudar a conquista de um título pela vitória de um clube, seleção ou atleta. Meramente “campanhas de nome”.

Propaganda, no entanto, por maiores que sejam os recursos aplicados, seja neste ou naquele formato, desde que adequados ao mercado, à forma, às peculiaridades de cada nome, tinha, tem e aparentemente continuará tendo muito valor para a reputação de marcas e empresas.

Mas não é tudo.

Há muito mais com que a alta direção das empresas, não importa seu tamanho, tem que pôr em regime de atenção para correr menos risco e em momentos decisivos ter aquilo que chamamos de “benefício da dúvida”, consequência direta e inequívoca de sólida reputação. Empresas como a Nestlé sabem do que estamos falando, pois ela atravessou há alguns anos um momento de grave tensão provocado por um fora da lei que dizia ter envenenado uma partida de leite em pó. A empresa, no entanto, saiu ilesa do episódio, ou até melhor posicionada, graças ao crédito que seu nome tinha no mercado.

Os verbos que as empresas vivem conjugando e o porquê de consultorias

Reputação
De crise em crise as estruturas internas ficam cadavez menores: cortar, enxugar, reduzir, juniorizar, priorizar.
O volume de trabalho não diminui — apenas é dividido por menos pessoas

Se a empresa dispõe de uma sólida estrutura de marketing, como se justificaria a contratação de uma consultoria para tratar da reputação da companhia?

A pergunta faz todo sentido.

Vale a pena, no entanto, ir um pouco adiante e pensar numa realidade que é cada vez mais comum.

Há quanto tempo o Brasil está em crise?

A justificativa agora é a pandemia, mas pensando bem se a gente olhar os jornais de antes da pandemia, faz anos e anos que neste país o que não falta é crise, seja pela razão que for – desgovernos, desastres naturais, petrolão, mensalão, impeachment, anões do orçamento, ameaças de guerra seja onde for refletindo-se nos negócios aqui, tudo é razão ou pretexto para que as empresas conjuguem o verbo “enxugar”. Enxugar quadros, reduzir custos, juniorizar equipes, contribuir, de uma forma ou de outra para manter o volume de trabalho para dividi-lo por menos pessoas.

É dentro desse quadro que entra em cena outro verbo: priorizar.

Não estou inventando cena alguma, mas, sinceramente, quantas vezes se repete a figura do chefe reunindo o time para discutir uma nova demanda estratégica e ouve a resposta: Você quer que eu me dedique a esse projeto ou entregue a montanha de serviços que está me esperando lá fora?

É uma realidade que não pode ser ignorada.

Projetar e realizar um programa sobre a reputação de marca ou empresa exige tempo, dedicação, mão na massa.

Não é questão de se pôr em dúvida a qualidade da equipe interna, da mesma forma que não se pode discutir a validade dos argumentos que vêm da alta administração a respeito da impossibilidade de contratar mais pessoal, sobretudo pessoal mais experiente e por isso mais caro.

Aí se tem o quadro pronto.

Consultorias oferecem profissionais experientes, acima de tudo para cobrir necessidades talvez pontuais que os quadros internos não conseguem atender. Sem inchaços que, caso contrário, serão notados ali adiante. Estruturas externas de qualidade sem custos trabalhistas que assustam qualquer gestor.

Mais: profissionais competentes e experientes com absoluta isenção e independência, sem receio de perder o emprego se puserem o dedo em alguma ferida corporativa.

Quando se fala de reputação, há outro ponto que não pode ser deixado de lado: como as empresas imaginam que seja sua reputação? Como ela realmente é? Problemas de reputação junto a quem? Onde estão eventuais pontos sensíveis — junto ao consumidor? Às revendas? Ao mercado financeiro? Aos líderes e formadores de opinião?

O trabalho de uma consultoria sobre reputação deve começar justamente aí, na identificação dos pontos sensíveis, de cuja existência o próprio pessoal interno, ouvido num estudo preliminar, espécie de auditoria, tem plena consciência.

Avaliar a realidade, o grau das necessidades de intervenção, propor e acompanhar passo a passo a implementação de medidas. Fazer correções quando se perceber que isso é necessário. Avaliar, lá adiante, digamos, um ano depois, até que ponto as dificuldades foram neutralizados.

Em resumo e terminando: sim, justifica-se plenamente, mesmo para um bom número de empresas com sólidas estruturas internas de marketing, a contratação de consultoria.

Um mundo cheio de soluções milagrosas

erros e mais erros os mais primários

Em meio a discussões intermináveis a respeito de metaverso, ESG, milagres das mídias sociais, projeções de um mundo novo com deslumbrantes desenvolvimentos tecnológicos, chega a ser cômico deparar-se com uma matéria no Advertising Age em que ficam à mostra erros primários que custam fortunas e em lugar de gerar simpatia por produtos, ao contrário, geram irritação e contribuem negativamente para a reputação de marcas muitas vezes famosas de empresas com estruturas de marketing cheias de cérebros pagos a peso de ouro.

A matéria é sobre fortunas que são postas no ralo, com a cansativa repetição de anúncios levados ao ar: “Repetição de anúncios irrita espectadores e desperdiça milhões de dólares – diz o título da matéria.

O fenômeno nos Estados Unidos repete-se aqui todos os dias, e não é preciso sequer ligar a TV. Ligue-se o rádio, por exemplo na Band News. Cada vez (e são muitas e muitas vezes) que começa o spot desagradável de uma empresa de “facilities” (eta palavrinha irritante!) troco de estação.

Coisa do rádio e TV?

Não.

Tenho carro Toyota e alguém na revendedora teve a ideia (boa, por sinal!) de em lugar de ligar oferecendo os serviços de revisão, usar o telefone para perguntar qual a quilometragem do veículo e ai sim, dependendo da informação, falar dos serviços oferecidos. Mas, pelo amor de Deus!, por que ligar dia sim, dia não com a mesma abordagem? Se houvesse outra revenda, juro que levaria o carro à concorrente, talvez por causa da chatice desse telemarketing.

Telemarketing, aliás, está levando muita gente a não atender mais o telefone, tal a quantidade de ligações sem pé nem cabeça.

Erros primários, certo? Mas afinal já não chegamos ao admirável mundo novo do metaverso?

O metaverso, por sinal, é outro assunto que já não se aguenta mais ver e ouvir, tal a quantidade de pessoas preocupadas em se mostrar atualizadas, cujas dissertações lembram o célebre Abelardo Barbosa, o Chacrinha, com o seu “eu vim aqui para confundir e não para explicar”.

Não concordo 100% com a frase “Reputação tem o hábito de chegar a pé e partir a cavalo” atribuída a Paul Polman, CEO da Unilever, mencionada num estudo recente do Instituto Ipsos. Afinal há bons exemplos de empresas que graças a sólido prestígio conseguiram enfrentar crises séria sem serem definitivamente atingidas. Sem dúvida, no entanto, erros primários como o levantado pela Advertising Age, ou os que foram registrados linhas atrás bem como tantos outros facilmente detectáveis, podem pôr em risco os negócios e a reputação de uma empresa ou de uma marca.

Do que e de quem se fala, quando se fala de reputação

O normal em casos como este, é alinhar um atrás do outro, casos bem-sucedidos e dizer: Viu só!

Mas às vezes é preciso fazer o contrário e abordar exemplos malsucedidos.

Trabalhei, por exemplo, para uma empresa que tinha tudo para gozar de excelente reputação no mercado. Empresa da área de material elétrico, tipicamente b-to-b. Produtos de excelente qualidade, marca conhecida, pontualidade nas entregas, preços dentro do padrão de mercado e vários outros pontos positivos. Tinha, no entanto, sérias dificuldades para receber o que lhe era devido, porque uma grande parte do que vendia era para o Governo.

Como não recebia pontualmente, da mesma forma tinha dificuldade de pagar em dia.

Sem entrar em muitos detalhes: seja pela razão que for, foi inábil no relacionamento com o mercado financeiro e com fornecedores, gerando descontentamento que criou a mais poderosa fonte de propaganda (neste caso negativa) em regime boca-a-boca.

Claro que a reputação foi afetada, com reflexos até na hora em que, visando ampliar o capital de giro, a tentativa de ir à Bolsa foi frustrada e a solução foi vender a empresa para uma multinacional com recursos para continuar no mercado.

A maior parte das vezes em que se discutem aspectos relacionados a reputação, pensa-se automaticamente e fala-se com frequência, de problemas diferentes do da empresa aqui mencionada –atendimento cordial, qualidade da propaganda, programas de treinamento da força de vendas, promoções para públicos intermediários, a lista de atividades muito válidas é bem extensa, mas tratada, muitas vezes, como mera perfumaria.

Reputação vai adiante e mostra seu valor de muitas maneiras, na facilidade de resolver crises que, menores ou maiores invariavelmente acabam acontecendo, seja com públicos intermediários (distribuidores, revendedores, balconistas, a lista é grande e varia de acordo com cada segmento de mercado) seja com fornecedores, autoridades, bancos, imprensa, seja com essa invenção recente, os tais influenciadores digitais, mas sem esquecer do público interno, cujo desempenho é capaz de criar (como é bom) um excelente clima de trabalho, mas que, descuidado, acaba ao contrário, sendo altamente comprometedor.

Reputação, nestes tempos de ESG, é claro que passa também por ações pertinentes que em grande parte das vezes tendem a ser mal compreendidas e adotadas com pouca pertinência com a própria atividade de muitas empresas.

É muito difícil uma empresa ter 100% de certeza de que em 100% dos casos, está sem problemas que ameacem sua reputação.

Uma honesta análise SWOT (pontos fracos, fortes, ameaças, oportunidades) é capaz de localizar áreas em que seja indicada a necessidade de investigação para detectar o porquê de ameaças e a consequente adoção de medidas corretivas.

Vale a pena, porque uma falha não detectada e não corrigida na hora devida pode se tornar um problema de proporções difíceis de serem controladas.

ESG não é apenas nome novo

para uma coisa não tão nova assim

Mundo engraçado!

A Unilever, mês passado, estava envolvida numa acalorada discussão na Europa, acusada por um lado de que exagerou na sua adesão ao ESG; e no outro, investidores, agências, críticos, defendendo a companhia garantindo que, ao contrário do que dizem os detratores, a rentabilidade da empresa não caiu ou vai cair, pela sua defesa do meio ambiente, do social e da governança.

No caso da Unilever, o que torna o affair mais complicado, é que as críticas mais pesadas não veem da mídia e sim do controlador de um dos fundos que têm voz ativa no Conselho da empresa e diz, com todas as letras, que a Unilever priorizou a sustentabilidade às custas de tirar o foco dos fundamentos do negócio.

A afirmação é até mais pesada: fala da obsessão por sustentabilidade e propósito.

Ou seja, acusação de que o atual posicionamento mexe na parte mais sensível do corpo humano, o bolso dos acionistas. A jornalista inglesa Hannah Bowler, no newsletter “The Drum” procurou ouvir o mercado a respeito do episódio e encontrou posições divididas, umas de apoio ao irritado acionista outras defendendo que os ataques são infundados (ou até mais do que isso, considerando exemplar o comportamento da Unilever) e assegurando que a rentabilidade não será afetada. Seria uma política “win win win” segundo uma das entrevistadas. Leia aqui o artigo.

Uma das curiosas opiniões colhidas lembra que é muito pouco provável que a maionese da Hellman´s deva ser escolhida pelo que representa e sim pelo que ela é, um bom condimento com preços razoáveis. Afinal, maionese é só maionese.

Nossa opinião sobre ESG já foi externada várias vezes e você encontrará neste blog vários artigos que evidenciam isso de forma clara.

É uma tendência que veio para ficar.

Talvez ali adiante até mude de nome, afinal faz parte do jeito de ser do mercado adotar nomes novos para coisas que não são tão novas assim, mas ESG continuará sendo não uma tendência episódica, mas uma necessidade ditada por inúmeros fenômenos que afetam o planeta e acabam afetando o mercado como um todo, neste caso com consumidores mais do que preferindo, exigindo produtos que não agridam a natureza, sustentáveis, ligados no lado social e “fiscalizados” o tempo todo por boas políticas e governança.

Técnicas cujo uso integram-se à reputação de uma marca.

Reputação (não nos cansamos de repetir) produz valor para a empresa de diferentes formas e que não depende, apenas, da empresa ter se mostrado fiel às crenças do ESG.