Devo, não nego, pago quando puder

Valores reputacionais
e, mesmo assim, mantenho a simpatia em alta

O pedido de recuperação judicial da 123Milhas traz à tona a discussão entre o processo de renegociação de dívidas com credores e a reputação. O aumento do número de pedidos de recuperação judicial no primeiro semestre, e a possibilidade da manutenção do mesmo ritmo até o fim do ano, chama a atenção para a necessidade de sustentar um estoque reputacional para enfrentar o cenário financeiro desafiador.

Pesquisa da Serasa Experian mostrou que o número de pedidos de recuperação judicial, à qual empresas recorrem para negociar suas dívidas com credores, atingiu no primeiro semestre de 2023 o maior patamar dos últimos três anos, com alta de 52% sobre os seis primeiros meses de 2023.

O perfil das companhias e os motivos que as levaram a este passo variam. No topo, quatro grandes somam dívidas superiores a R$ 100 bilhões: Americanas, Oi, Light e Grupo Petrópolis, responsável por marcas como as cervejas Itaipava e Petra ou o energético TNT. Mas a maioria situa-se no segmento de micro e pequenas empresas. O setor de serviços é responsável por mais da metade dos pedidos de recuperação, seguido por comércio, indústria e setor primário.

Os motivos incluem desde reflexos da pandemia – em especial para o setor de serviços – até a alta de juros, afetando a capacidade de pagamento de consumidores e o desempenho do varejo, além do custo do crédito. Também pesam a alta das commodities, o desemprego persistente e a perda da renda. Como o cenário não deve mudar muito em curto prazo, é de se esperar que o movimento persista no mínimo durante o segundo semestre.

E o que leva a manter a reputação em alta nestes casos? Em primeiro lugar, tê-la construído anteriormente. Um exemplo é a rede Americanas. A contabilidade retorcida que acarretou o problema pode não influenciar em nada o desejo de um cliente pagar menos por algum produto disposto no marketplace online da marca. O mesmo pode se dizer do Grupo Petrópolis. Dificilmente um apreciador da Petra vai deixar de consumi-la pelo fato da empresa estar em maus lençóis financeiros.

No lado oposto, talvez, situem-se as fornecedoras de energia e telecomunicações (Light e Oi), setores afetados por dificuldades afeitas ao atendimento de número de consumidores na casa de dezenas de milhões e, mais recentemente, a 123Milhas, que antes de anunciar o processo judicial simplesmente avisou seus clientes que suas viagens já pagas estavam canceladas.

Enquanto as prestadoras de serviços públicos são beneficiadas por pouca concorrência, a empresa de turismo não tem a mesma sustentação. Sua principal bandeira reputacional era a prática de preços baixos. Que acabou não se sustentando e a empresa foi chamada para depor até na comissão parlamentar de inquérito (CPI) destinada a abordar pirâmides financeiras.

A bandeira amarela fica levantada para aquelas companhias, de qualquer setor e porte, com dificuldades financeiras indicando possibilidade de adotar este caminho no futuro. Até que ponto sua reputação é suficiente para obter as melhores condições de negociação junto a credores, por exemplo? Ou para manter funcionários motivados durante o período desafiador? Ou, ainda, ajudar a não só manter, mas atrair novos clientes?

A capacidade de construir um “colchão”, ou estoque reputacional, pode fazer a diferença. Isso depende de ações como avaliar com sinceridade seu ambiente – incluindo marca, empresa, produtos e serviços –, identificar detratores e oportunidades para construção de reputação positiva e meios de reforçá-la. Afinal, a força da reputação pode manter a empresa em alta, mesmo com suas finanças em baixa.

A culpa é do estagiário

A Culpa é do estagiário
Em agosto foi comemorado o dia do estagiário, no dia 18. A lembrança trouxe alguma percepção sobre o papel desta função e seu alcance para impactar a reputação corporativa.

Hoje empresas mais maduras, sejam de que tamanho forem, contam em sua maioria com programas de estágio, mais ou menos estruturados. Os mais profissionalizados entendem que essa posição será ocupada por pessoas a serem treinadas para absorverem cultura e processos corporativos o suficiente, de modo a prepará-las para posições chaves no futuro.

Hoje, inclusive, já se faz desse processo uma porta para ampliar ainda mais o coeficiente reputacional da empresa, aquele indicador sutil provocado por iniciativas que geram mais simpatia e apreço por parte dos diferentes públicos.

Quem não se lembra do terremoto causado pelo primeiro programa de estágio inclusivo do país, criado por Luiza Trajano e direcionado à contratação de pessoas negras? A inclusão, uma das bases do S do famoso tripé ESG, relacionado ao respeito da organização por aspectos ambientais, sociais e de governança, foi debatida como sendo restritiva ao grupo que representava a parcela masculina, branca e economicamente mais favorecida.

No polo oposto colocou-se como uma verdadeira bomba reputacional a entrevista de Cristina Junqueira, sócia do Nubank, quando afirmou em frente às câmeras do programa Roda Viva (TV Cultura – SP) que não contratava negros porque a organização não suportaria o nivelamento “por baixo” de seus profissionais.

De lá para cá as iniciativas inclusivas para equilibrar as contratações de estagiários e traines de acordo com a representatividade na população do país, reforçando a posição de grupos minorizados, multiplicaram-se pelo país. Além de contribuir para a questão ESG, o cenário espelha a preocupação com esses profissionais em início de carreira.

Mas também há quem busque nessa camada apenas uma possibilidade de contar com talento mal remunerado, sem acompanhamento ou ensinamento suficiente para prepará-lo para a vida profissional. E aqui, mais uma vez, é onde mora o perigo.

Além de inexperiente, a possibilidade do funcionário se sentir abusado ou injustiçado paira como ameaça no ambiente empresarial, facilitando por omissão, desatenção ou ignorância erros que podem levar à perda de grandes pontos do coeficiente reputacional.

Na verdade, ao fim e ao cabo, isso vale para qualquer contratação. E vale a pena dedicar algum tempo para pensar no valor de tornar cada colaborador um pilar da boa reputação corporativa. Desde cedo, pois quanto antes, melhor. A culpa nunca é do estagiário – ela é de quem o contratou e treinou (ou deixou de fazê-lo).

Referências:

Para saber mais sobre o programa de Trainee Magalu.

O G da questão

Empresas envolvidas nos temas ESG nem sempre dão a atenção devida ao aspecto de governança, o último da lista, mas não menos importante

Recentemente, a Vale ganhou manchetes por conta de CPIs no estado do Pará, uma estadual e uma municipal. O tema são questões tributárias relacionadas à categorização de ouro como subproduto do cobre, supostamente para reduzir a taxação do produto.

De fato, é assim que o produto aparece no balanço da empresa. Mas, pelo sim, pelo não, a gigante entregou ao órgão regulador do mercado financeiro norte-americano, a SEC, relatório contábil explicando enfrentar processos por conta da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral), inclusive relacionados ao tema.

Um desafio, segundo depoimento do diretor jurídico da Vale à CPI estadual, é uma discussão jurídica a respeito da base de cálculo sobre a qual o tributo incide, o que dificulta a governança corporativa.

E aqui está o G da questão.

Enquanto o mundo se debruça sobre as questões sociais e ambientais definidas pelo conjunto ESG, a governança se tornou quase uma eminência parda – um assunto pouco debatido e deixado de lado inclusive por implicar, às vezes, em características contábeis e outras deste tipo.

Mas o assunto ganha relevância de tempos em tempos. A partir de 2001, a quebra de empresas como a Enron, nos Estados Unidos, levou à definição de regras mais estritas de auditoria e segurança na lei Sarbanes-Oxley, de 2002. No Brasil, a operação Lava-Jato acendeu o alerta para necessidade de gerenciar melhor as boas práticas de governança e compliance, ou o cumprimento a regras – de ambientais a éticas e sociais. Em dez anos, o percentual de empresas brasileiras listadas em bolsa com área de compliance para gestão de risco saltou de 39% para 69% registrados no ano passado.

A questão é que existem regras e regras.

Além de legislação, normas e que tais, existem aquelas mais sutis, aparentemente insignificantes, que acabam contribuindo para o tom positivo ou negativo do boca-a-boca, inquestionavelmente capaz de provocar impacto reputacional. Exemplos pequenos, como cuidar do respeito e da cordialidade como um fornecedor é atendido pela área de compras, o ambiente de convivência de funcionários, ou até mesmo incentivar líderes a serem no mínimo polidos com os colaboradores podem beneficiar tanto ou mais a reputação de uma empresa do que suas discussões tributárias.

Compliance vai adiante. É importante criar consciência sobre o cenário dentro de casa.

  • Qual o respeito da empresa pelas regras, estabelecidas ou sociais?
  • Qual a dose de mesquinharia que coloca na negociação com os fornecedores?
  • Quanto “espreme” seus funcionários?
  • Até que ponto lembra de parabeniza-los por alguma atitude inesperada, fora do manual, que deixou um cliente encantado?

Afinal, a reputação da empresa corresponde à visão de quem está fora dela. Mas cabe a ela conhecer e definir os pilares sobre os quais vai se assentar.

E, neste caso, é sempre bom lembrar do G da questão.

O impacto da sucessão, tema da novela em horário nobre, na reputação corporativa

Sucessão familiar
Quando uma empresa – e sua reputação – têm nome, sobrenome e marca, o momento da sucessão pode ser a grande oportunidade de apresentar o enriquecimento de seus valores

A novela Terra em Paixão, no ar em horário nobre da TV Globo, chama a atenção para um aspecto significativo em um enorme número de empresas nacionais de todos os portes: a passagem de bastão da liderança para a nova geração de companhias familiares.

A questão deve ser enfrentada estratégica, administrativa e legalmente o quanto antes e, claro, de maneira profissional. Mas um dos pontos que não pode ser deixado de lado, ou não receber a atenção devida, é a questão da reputação.

Quando uma empresa – e sua reputação – têm nome, sobrenome e marca, o momento da sucessão é crítico. Isso porque muitas vezes uma grande porção da reputação angariada ao longo do tempo está diretamente ligada ao dono da empresa, seu fundador ou patriarca, cujos valores construíram o negócio, garantindo sua sobrevivência e crescimento.

A questão é que uma nova geração, além de sustentar os valores primordiais da organização, traz consigo novos valores geracionais e, por vezes, até disruptivos, desde um olhar mais amigável a novas tecnologias e relacionamentos digitais até maior preocupação com questões relacionadas a ESG, aquelas envolvendo aspectos sociais, ambientais e de governança.

A oportunidade para ganho reputacional neste momento é gigante. É hora de reafirmar o quanto a empresa vai honrar suas origens, seja junto a funcionários, clientes, fornecedores, bancos, comunidades vizinhas ou quaisquer outros públicos de interesse (stakeholders). Mas também é momento de plantar a semente do futuro que se avizinha, sejam quais forem as novas diretrizes que uma geração mais jovem pode agregar à marca, produtos, serviços e, claro, à reputação construída cuidadosamente ao longo dos anos.

Vale a pena dedicar atenção a este detalhe, além de avaliar contratos, perfil e desejo dos sucessores e outras questões que chamam a atenção do público da telenovela. Afinal, a reputação é um bem intangível, mas precioso, cuja sutileza dificulta sua documentação, mas cuja solidez foi suficiente para ser um dos grandes pilares de apoio dos negócios no passado e deve ser mantida no presente e preparada para o futuro.