Reputação no pódio gera mais de R$ 34 bilhões

Ferrari e Hamilton

Um ano antes da chegada de Lewis Hamilton à Ferrari, o valor da empresa disparou

A movimentação do ano na temporada 2024 foi um anúncio de contratação a partir de 2025. E não foi coisa pouca. O acordo entre o heptacampeão da Formula 1, Lewis Hamilton, e a escuderia italiana elevou a capitalização de mercado da Ferrari em quase US$ 7 bilhões.

A iniciativa coroa um verdadeiro casamento reputacional. De seu lado, o piloto inglês acumula feitos inéditos e opiniões fortes. Primeiro a alcançar a marca de vitórias do alemão Michael Schumacher, também é, até agora, o único piloto negro a liderar o pódio da competição e não deixou de levar a bandeira identitária ao pódio. Os R$ 100 milhões anuais negociados batem o recorde de salário no segmento, por puro merecimento.

O acordo elevou a capitalização de mercado da Ferrari em quase US$ 7 bilhões.

A Ferrari, por sua vez, alcançou em 2023 o maior lucro de sua história, mais de 1,2 bilhão de euros (perto de R$ 6,7 bilhões). A venda de 13,6 mil unidades gerou faturamento de 5,97 bilhões de euros, 17,2% mais que em 2022. O preço do carro reflete o apreço, a mística e, claro, a reputação da marca.

Ferrari e Hamilton
Foto ilustrativa: Imagem de Ádám Urvölgyi por Pixabay

Claro que a Mercedes, deixada para trás por Hamilton, não terá sua reputação destruída por perder o piloto. Mas a mudança não deixa de ter impacto, pelo menos no universo da competição. Deve ficar restrita a ele. Afinal, a construção de uma marca deste porte, que completará um século de existência em 2026, foi criada com pilares que somam desde qualidade até imagem aspiracional, sólidos o suficiente para não serem abalados por um elemento específico.

Alguém se lembra, por exemplo, do mico que foi o lançamento do modelo Classe A, que falhou em teste de capotagem e acabou tendo vida curta? Pois é. Foi só um soluço no percurso, um arranhão que cicatrizou sem marcas.

Assim são as reputações. Nascem e se solidificam ao longo do tempo, com persistência, atenção aos detalhes e, acima de tudo, consistência. Hamilton sabe disso, a Ferrari também (e, claro, idem a Mercedes). Como os exemplos mostram, o valor gerado pela soma de pontos reputacionais pode ser imbatível – e extremamente lucrativo.

Irracionalidade, audiência e reputação

Na semana passada, o X (antes Twitter), um dos termômetros atuais das tendências que vagam pelo imaginário humano, registrou em seus assuntos mais quentes o assunto “Lacta”, ocupando o quinto lugar entre os mais comentados do dia.

O gatilho foi o compartilhamento e reações em massa de um vídeo gravado por um usuário da rede mostrando caixas de bombons da concorrente Nestlé. O cidadão explica que suas crianças haviam pedido caixinhas da marca Bis, mas o produto teria sido vetado por conta do patrocínio da fabricante Lacta ao influenciador Felipe Neto, “aquele vagabundo, aquele lixo, um esquerdista que faz apologia a terrorista e fica falando besteira para as nossas crianças”, segundo esse cidadão.

Em contrapartida, os fãs de Neto, conhecidos na internet como “corujas” – e do chocolate castigado – saíram à frente e galgaram a terceira posição do ranking com a hashtag “#CorujasPedemBis”.

Imagem: Post Felipe Neto no Twitter https://twitter.com/felipeneto/status/1711848712480116768/photo/1

O episódio poderia ser até anedótico, não fosse a polarização acentuada em torno de qualquer tema a partir de uma definição de liberdade de expressão que inclui ofensas pessoais, ataque a marcas ou instituições, em um simulacro de comportamentos antes restrito, digamos, a temas como discussões futebolísticas em defesa do time do coração.

Da mesma forma como a paixão pela camisa, os mais diversos temas estão saindo do campo da lógica para arroubos emotivos onde a última camada é a racionalidade. Outro exemplo são as críticas exacerbadas sobre a presença de publicidade do governo federal em mídia de massa e, particularmente, na emissora líder de audiência, elevada por alguns defensores do atual governo a inimiga do povo.

A questão é que a racionalidade e a lógica dos números se apoiam em audiência para seleção de iniciativas de apoio a marcas, como mídia e patrocínios. Em que pese esforços como do movimento Sleeping Giants, para mostrar a grandes marcas sua presença junto a veículos propagadores de notícias comprovadamente falsas – mesmo com grande audiência –, são os dados os principais direcionadores de estratégias profissionais de construção de marcas.

Felipe Neto, por exemplo, entrou para o ranking dos cinco maiores youtubers do mundo, com mais de 44 milhões de inscritos em seus canais. Ele é sócio da agência Play 9, uma das dez maiores no campo de marketing de influência digital no país, com investidores de peso como Arezzo. A TV Globo ainda mantém médias como um terço da audiência da TV aberta do país. Quando o FlaFlu ideológico busca criar um desvio padrão nas estatísticas alguma coisa vai dar muito errado.

Saber navegar neste universo não é para amadores. Patrocínios, divulgação e estratégias de emprego de mídias, sociais ou de massa, são alguns dos muitos dentro de uma enormidade de fatores que ajudam a construir a reputação. Ainda bem que o mercado está repleto de profissionais competentes o suficiente para não se deixarem levar pelo fígado na hora de estabelecer seus planos e táticas para construir e manter em alta essa questão tão diáfana quando decisiva para o resultado dos negócios, a reputação de empresa, marcas, produtos e serviços.

Sportwashing: nome novo (certo ou errado) para coisa antiga em época de mundial de futebol

Reputação de empresas e patrocínios espasmódicos
Photo by Connor Coyne on Unsplash

O termo “sportwashing” contém um significado negativo e pejorativo que vem sendo ignorado em uma grande quantidade de publicações. Para ser exato, sportwashing seria uma espécie de uso espúrio de atividades esportivas para ajudar a “limpar” o nome de clubes, empresas, até países que tivessem alguma conta a ajustar com a Sociedade. Uma palavra equivalente ao greenwashing, uso de atividades verdes, limpas, de bem com a natureza, por empresas que devem contas ao meio ambiente. O texto adiante usa a expressão “sportwashing” de uma forma que pode ser considerada incorreta. Deveria ser “sportmarketing”. Mantivemos com resevas a expressão que consideramos inadequada porque é assim que a atividade vem sendo chamada. A propósito, vale a pena ler outra matéria a respeito desse assunto: https://www.torcedores.com/noticias/2020/05/o-que-e-sportswashing-termo-ganhado-espaco-no-futebol-e-levanta-discussoes-em-todo-mundo.

Sportwashing seria, conforme vem sendo publicado, uma estratégia de marketing que utiliza o esporte para reposicionar a imagem de uma marca, produto ou país.

Seja o nome correto, seja o nome incorreto, a técnica é antiga, o nome é que é novo.

O Catar, querendo chamar atenção para si, levou para lá a Copa do Mundo. Mas Hitler, lá atrás, nos anos 1930, já tinha usado a Olimpíada para ganhar a opinião pública mundial para si e para o nazismo, que à época ainda não era o abominável nazismo em que se transformou mais adiante.  

O patrocínio desses megaeventos esportivos é território típico de grandes marcas internacionais, como no caso do atual Mundial de futebol: Adidas, Coca-Cola, Hyundai-Kia, Qatar Airways, Visa, Wanda Group e Qatar Energy, os dois últimos nomes, gigantescos conglomerados empresariais do próprio país.

Em resumo, são sempre tentativas de ganhar a atenção do mercado através da associação de marcas à popularidade de grandes acontecimentos de esporte.

Nem tudo sai, sempre, do jeito que foi planejado. Por exemplo, nunca a opinião pública mundial recebeu tanta informação como agora sobre a deplorável situação da mulher no Catar; nunca se falou tanto das condições sub-humanas a que foram submetidos, lá, os refugiados que trabalharam nas obras necessárias para realização do Mundial; os meios de comunicação vira e mexe mencionam, horrorizados por um lado, e até divertidos por outro, a perseguição desenfreada por parte das autoridades do Catar a qualquer coisa que lembre os movimentos LGBT. Até uma pobre bandeira de Pernambuco acabou sendo pisoteada pelos jagunços porque tem em seu centro (onde já se viu uma coisa dessas?) um arco-íris… Sem falar das muitas demonstrações públicas assistidas por milhões de expectadores, de equipes se ajoelhando em campo ou tapando a boca na hora da fotografia, como forma de protesto contra isto ou aquilo.

Estado de Pernambuco, Public domain, via Wikimedia Commons

Numa excelente matéria, o Estadão lembra outros megaeventos recentes e os prováveis objetivos dos países que os sediaram, bem como os imensos recursos investidos por cada um: Olimpíada no Japão, Mundial de Futebol na Rússia, Olimpíada e Mundial de Futebol no Brasil e Mundial de Futebol no Japão e na Coreia do Sul.

É óbvio que a invasão de turistas durante as duas ou três semanas do evento traz resultados financeiros muito bem-vindos, mas insuficientes para justificar os pesados investimentos.

“A visibilidade que uma Copa do Mundo dá a um país costuma aumentar seu turismo nos anos seguintes, levando dinheiro à região, gerando empregos e fomentando a economia”, lembra o Estadão na mencionada matéria.

Num caso como o nosso, entretanto, pergunta-se: houve, por acaso, um planejamento consistente para aproveitar a evidência em que o Brasil esteve ao realizar não um, mas dois grandes eventos? Quantos turistas a mais tivemos nos anos seguintes? Em verdade, e isso é lamentável, tanto uma realização como outra, foram meras decisões espasmódicas com interesses outros, com imenso desperdício de recursos. 

Pensando na reputação de marcas e empresas, é difícil imaginar algum argumento em defesa do mergulho de uma empresa, no delírio de um sportwashing (ou sportmarketing) dessa magnitude, até porque os recursos necessários para isso inviabilizariam a aventura.

Reputação, seja como for, se constrói de uma forma muito mais abrangente, consistentemente, permanentemente e não pode depender (para usar o termo empregado linhas atrás) de espasmos nesta ou naquela direção.

Reputação deve ser imposta de cima a baixo em empresas de todos os tamanhos, em todas as áreas de atuação, não importa se uma fábrica de brinquedos, uma indústria automobilística, uma rede hoteleira, uma ONG ou uma organização do setor que for, grande, média ou pequena, patrocinadora (ou não) de equipes esportivas, associações de benemerência ou o que seja.